2010/08/27

Entrevista exclusiva para o Espaço Café Xadrez Portugal, no www.chess.com ao Mestre Internacional António Fróis, realizada por Rui Grafino

Entrevista exclusiva para o Espaço Café Xadrez Portugal, no www.chess.com ao Mestre Internacional FIDE António Fróis, realizada por Rui Grafino no período de 30/07/2010 a 20/08/20100.



António Fróis começou a jogar xadrez em 1976 com 14 anos tendo-se dedicado ao xadrez como profissional a partir de 1984 com 22 anos. Obteve o título de Mestre FIDE em 1985 e é Mestre Internacional desde 1989, joga na selecção nacional desde 1984, tendo representado Portugal em 25 países. Foi campeão Nacional por 9 vezes. Foi campeão da Galiza por equipas em 1993 pelo Deportivo da Corunha e em 2006 pela Escuela Técnica de Ajedrez Kasparov – Marcote. Foi medalha de ouro em 2006 no encontro da Fraternidade entre selecções na Tunísia. Colaborou com o jornal expresso no Match para o título Mundial em Sevilha de 1987 entre Kasparov e Kaarpov. Foi treinador por várias ocasiões, algo que ainda faz. Foi chefe de delegação e treinador pela Federação Portuguesa de Xadrez por várias ocasiões, e em 2006 e 2008 obteve o título de melhor treinador do ano e em 2006 tornou-se treinador oficial da FIDE. Actualmente é treinador da alta competição da Federação Portuguesa de Xadrez, formador de treinadores da Federação Portuguesa de Xadrez e continua a ser jogador de alta competição por free lance, além das suas representações por Portugal e pelo clube da Galiza.

RG: António Fróis, em que idade começas-te a jogar xadrez, o que te impulsionou para o fazer e o que te fascinou no jogo?

AF: Aprendi a jogar xadrez em Vila Franca de Xira por volta dos 12 anos, mas não foi importante. Aos 14 anos na Amadora, entrei num torneio para pessoas que nunca tinham estado federadas (sem relógio) e ganhei com 6 pontos em 7. O verdadeiro motivo para entrar no primeiro torneio foi a companhia dos meus amigos. Ai convidaram-me a federar e realmente entusiasmei-me com o jogo. Isso foi em Outubro de 1976. Gostava muito do ambiente do clube onde comecei, os secionistas eram mais velhos e conversava-se sobre tudo. Tínhamos até equipa de futebol de salão da secção de xadrez. Depois comecei a gostar de ler coisas sobre o jogo. Os meus dois primeiros livros foram: " Piense como un GGran Maestro " de Alexander Kotov e "MI Sistema "" de Aaron Nimzovitch

RG: Claro que sem paixão pelo jogo não terias atingido o nível de mestre internacional; mas fala-nos do quanto deste de ti e que esforço ffoi necessário para tal? Existiram sacrifícios? Abdicaste de algo?

AF: Obviamente que dei tudo o que sabia em termos de esforço interior e sem qualquer patrocinador nem nenhum apoio nestes 34 anos. Não abdiquei de nada. A vida é feita de opções e eu optei por uma vida free lancer e escolhi as vantagens e desvantagens dessa vida. Obviamente viajo muito sozinho e estudo muito mas isso é uma escolha.

RG: Que melhores recordações tens dos momentos iniciais da aprendizagem do Xadrez mais a sério? AF: Passei por várias fases. Estudar xadrez sozinho é muito difícil por causa da questão dos conceitos. Várias vezes estudei a fundo meses e depois tive resultados piores do que antes. Só a longo prazo entendes o que interiorizas e isso é impossível que um jovem entenda. Por outro lado adorei estudar com o GM António Antunes.
Em 1985 em Luanda adiei uma partida contra a GM Campeã Mundial Nona Gaprinndashvili. Eu estava perdido e pensei que não tinha hipóteses porque os russos viam tudo!!! No dia a seguir de manhã ela não tinha visto um truque e depois de pensar 50 minutos ofereceu empate e eu aceitei percebendo que os soviéticos também se enganam em xadrez! A seguir ela chamou o seu treinador pessoal o GM Elizbar Ubilava que eu já conhecia de uma simultânea que ele tinha feito na Amadora em 1984. Estivemos toda a manhã os 3 a aprofundar o final e eu achei fantástica a forma organizada como estudámos o final e fiquei cheio de vontade de trabalhar assim.

RG: O que te imaginavas actualmente a fazer se não te tivesses iniciado no xadrez nessa idade? Consegues conceber essa possibilidade? AF: É difícil porque eu escolhi aos 22 anos ser profissional, depois de começar a pensar nisso aos 19. Aos 19 anos eu fui a Holanda jogar o Campeonato Europeu de Juniores a Groningenn. Quando fui para lá depois de ganhar o match ao Antunes eu pensava ser engenheiro. Quando voltei vinha confuso porque tinha conhecido cerca de 15 jovens do resto da Europa que diziam que se podia perfeitamente ser profissional de xadrez. Demorei cerca de 2 anos e meio até me decidir e foi uma das melhores decisões da minha vida. Estou muito agradecido ao xadrez por tudo o que me tem proporcionado.

RG: Por volta de que idade ou momento sentiste que estavas a ficar um bom jogador de xadrez?

AF: Houve várias fases em que sentes evolução clara. O problema é que queres sempre mais. Por outro lado um resultado pode enganar-te num bom ou mau sentido. Por exemplo, eu fui terceiro no nacional de juvenis de 1978 e considerado revelação nacional.
Pensava já ter o nível dos juvenis daquela altura, mas não era verdade. Um mês depois tive uma grande desilusão ao jogar o absoluto de Lisboa onde os meus rivais dos juvenis jogavam 20, 30 mesas à minha frente e eu percebi que o resultado do nacional de juvenis tinha sido uma casualidade

RG: Em algum momento concebeste na tua mente a possibilidade de vir a atingir o teu actual nível de jogo?

AF: A partir de 1986 eu comecei a ganhar a GM’s e a MN’s e a perceber que podia fazer vida a trabalhar em xadrez. Nessa altura eu empatei com o candidato ao título Mark Taimanov, com o americano John Fedorwicz, e a ganhar torneios em Espanha.



RG: Achas que o Xadrez te ensinou ou mudou alguma coisa importante na tua vida? AF: O xadrez ensinou-me sobretudo que a vida é uma responsabilidade individual. Salvo a sorte como a saúde, tudo o resto depende do que fazemos. Se a vida nos corre bem o mérito é nosso, e se nos corre mal a culpa é nossa. Por ser um jogo que não depende nada da sorte, tu aprendes que dependes do que fazes. A vida é uma tomada de decisões debaixo de pressão e o xadrez também.

RG: A que idade começou a fase competitiva, e que recordações tens sobre a mesma?

AF: Comecei a competir com 14 anos e não parei até agora. Até 2005 tinha uma intensidade de 18 anos. A competição ensina quase tudo no xadrez, porque é o " fogo real ". É na competição que nos passam as situações realmente duras. Só sabes que aprendeste um final se o consegues ganhar a jogar uma partida lenta e contra um adversário duro. Só ai é que tens a certeza. O conselho que dou aos jovens é que vá aos clubes e que joguem lentas. O computador ajuda muito pouco para a competição "cara a cara ". As rápidas e as semi rapidas são boas para treinar aberturas e fazer torneios temáticos, mas a verdade do xadrez está nas lentas. Não há títulos de mestre em ritmos rápidos e isso diz tudo.

RG: A competição era dura em Portugal quando iniciaste a competição? Tinhas um herói de xadrez nessa altura? Quem dominava o xadrez quando competias?

AF: Apareci numa época após o 25 de Abril de 1974 onde a competição fervilhava por todo o país. Joguei distritais de Lisboa com mais de 300 jogadores, o que hoje em dia é impensável. Nesse sentido foi uma época fantástica para entusiasmar um jovem. Quando apareci em 1976 era o MI Fernando Silva o melhor jogador. Porém o meu fascínio pelo profissionalismo e o facto de nenhum português o assumir sempre me fez procurar as referências fora de Portugal.

RG: Representas, ou representaste algumas equipas, clubes ou mesmo Portugal? AF: A informação aqui é muito extensa.
Eu represento a selecção nacional desde 1984 (Olimpíada de Salónica) e continuo até hoje em olimpíadas, campeonatos da Europa e torneios de selecções. Em 2006 em Hammamet, na Tunísia ganhei a única medalha de ouro de sempre da selecção nacional portuguesa com 8,5 pontos em 9 no terceiro tabuleiro da selecção nacional absoluta, no encontro da Fraternidade.
Representação em Clubes de Portugal começou em 1976 com a académica da Amadora é desde 1982 até hoje, sempre em regime de profissional (quer dizer sempre me pagaram para jogar por equipas), a lista é muito larga.
• Praticante desde 1976
• Profissional desde 1984
• Mestre Nacional desde 1981
• Mestre FIDE desde 1985
• Mestre Internacional desde 1989 (Congresso de Porto Rico)
• Campeão Nacional de Rápidas 4 vezes
• Campeão Nacional de Semi Rápidas 2 vezes
• Campeão Nacional de Equipas da 1ª Divisão 9 vezes por 4 Distritos diferentes
• Illiabum Clube Aveiro 1987/1988
• 1993, 1994, 1995, e 1997 pelo Boavista Futebol Clube
• 1998 Pelo Portugal Telecom de Lisboa
• 2002 -Pelo Grupo de Xadrez da Guarda e agora duas pela Academia de Xadrez da Guarda
• Jogador da Selecção Nacional desde 1984.
• Campeão da Estremadura Espanhola (pelo São Francisco de Badajoz 1995)
• Campeão Galego Pelo Desportivo de La Corunha 1992
• Campeão Galego Pela Escuela Internacional de Ajedrez Kasparov / Marcote 2006, 2007 e 2008
• Vencedor de Vários torneios abertos e fechados (mais de 100) Espanha, Canárias 2 vezes, Corunha, Cambados, Navalmoral, Punta Umbria 2 vezes, Aljaraque , Cartaya, França Toulon.
• Melhor Português nos torneios Categoria 7 da FIDE (Válidos para Norma de GM):
• Cascais 1986
• Vila Real de Santo António 1999
• La Rochelle 2000 -Campeão do Euro Bank
• 2º Memorial Capablanca 2004
• 1º Lugar Open Internacional Mondariz 2004
• 2º Memorial Capablanca 2005
• 1º Lugar Open Internacional Sanxenxo 2006
• Medalha de Ouro em Hammamet Tunísia no 3º Tabuleiro da Selecção Nacional A com 8,5 em 9 em partidas Clássicas no Open De La Fraternité que contou com a participação das selecções da França, Egipto, Tunísia, Marrocos, Palestina, Algéria, Líbano e mais 6 países africanos organizado pela Federação Tunisina de Xadrez.
• 1º Lugar II Festival Ruy Lopez 2007 Categoria 6 da FIDE Média entre 2375 e 2399
• Países onde já joguei xadrez: Portugal, Espanha, França, Áustria 1995, Bélgica 1984, Holanda 1982, Itália 1996, Jugoslávia Novi Sad 1990, Israel Haifa 1989, Croácia Pula 1997, Angola 1985, 1989, Brasil 1989, Emiratos Árabes 1986, Filipinas Manila 1992, Grécia Salónica, Cuba, Turquia, Geórgia 1999, Estados Unidos 1983, Hungria, 1986, Tunísia Hammamet 2006.
• Represento a Academia de Xadrez de Gaia desde 2009 em Portugal e ganhamos nos dois anos a 1 divisão por equipas com 100% de vitórias.

RG: Sei que representaste tamém Espanha ou clubes espanhóis no xadrez, podes elaborar como se deu essa oportunidade e em que contexto?

AF: Fui Campeão da Galiza pelo Desportivo de la Corunha em 1992, Campeão da Estremadura espanhola pelo Sao Francisco de Badajoz em 1995 e desde 2005 até hoje Campeão 55 anos seguidos pela Escuela internacional Kasparov -Marcote na Galiza meu actual clube em Espanha. Jogar por equipas é uma responsabilidade acrescida porque trabalhas para uma entidade e se jogares bem podes continuar muitos anos. Se não, podem querer outro jogador. É a vida do free lancer . Eu pessoalmente não me posso queixar.

RG: Tiveste auxílios e/ou apoios profissionais ao longo da tua carreira?

AF: Sempre dependi exclusivamente de mim e do meu trabalho como xadrezista profissional. Nunca tive nenhum patrocinador.

RG: Podes falar um pouco sobre grandes jogadores de Portugal dos outros tempos? Houve quem tivesse jogado com outros mundialmente famosos?

AF: Joaquim Durão é a referência do passado. Ainda joga com 80 anos o que me parece fantástico!
Jogou 5 partidas com Campeões Mundiais e numa delas empatou com Max Euwe.
António Antunes foi quem chegou mais longe até hoje, não só em ranking ( 2545 ) como também em resultados: ganhou a Topalov, Judit Polgar , Korchnoi, entre outros.



RG: Para ti quem foram os grandes mestres do jogo de Xadrez mundial, e porque? Refere 3 dos teus preferidos.

AF: Todos os Campeões Mundiais tiveram obras fantásticas. Eu estudei a fundo "Os Meus Grandes predecessores" de Garry Kasparov que é um trabalho fantástico sobre a história do xadrez e sobre o qual fiz uma espécie de guia para os meus alunos. Eu admiro muito Petrosian, sobre o qual Kasparov escreveu em 2005: “As suas partidas ainda não foram analisadas com a profundidade que elas justificam " -Depois Fischer, Karpov e Kasparov.

RG: Quem consideras o melhor(s) jogador(s) de todos os tempos?

AF: Considero Kasparov, porque estar 20 anos como número um do Mundo de 1985 a 2005 é fantástico e teve de ganhar a Karpov e depois jogar com todos os jovens que apareceram na era da informática e continuar número um é algo do outro Mundo!

RG: Quem consideras o melhor(s) jogador(s) da actualidade?
AF: Actualmente não é fácil porque há vários com forças parecidas. Anand , Carlsen, Kramnik…..

RG: Sei que jogaste com nomes reconhecidos do xadrez mundial, podes contar um pouco sobre essas experiências?

AF: Empatei com Mecking em Linares, com Elvest Candidato ao Título Mundial, com Mark Taimanov com um Contra Gambito Albin, com Illescas 1 a 1, com Suba 4 a 4, etc., etc. Tenho mais de 300 partidas lentas com resultados de vitória ou empate contra GM's acima de 2500 desde os mais velhos do que eu até jovens como Jobava ,ou Giovvanni Vescovi . É fantástico lidar com toda essa gente, analisar com eles no fim das partidas, ver como pensam, como reagem quando corre mal…

RG: Tens muitos torneios importantes na tua carreira; existe algum(s) em particular que recordes com sentimento de vitória e boa performance ou emoção?

AF: O facto de ser seguramente o jogador português com mais internacionalizações, porque a média de mais de 100 partidas lentas por ano, que levo desde 1980, passando cerca de 3 messes a jogar fora não deixa lugar a dúvidas. Muitas e muito boas recordações.
-Ganhar Sanxenxo em 2006 ficando perto da Norma de GM, sendo o número 10 do torneio foi fantástico, assim como ganhar em Mondariz em 2004 havendo vários GM's presentes.
-No Rio de Janeiro 1989, 2 º lugar.
-No Memorial Capablanca 2004 e 2005 em Havana, dois segundos lugares num ambiente de xadrez extraordinário como é o de Cuba.
-As vitórias em muitos torneios internacionais, a medalha de Ouro da Tunísia, e a vitória no Festival Ruy Lopez em 2008.
-Também todas as vitórias por equipas me dão um prazer especial, porque gosto imenso de viver o espírito duma boa equipa.

RG: Fala-me sobre a competição de alto nível, sobre a emoção, sobre a pressão, e os sentimentos associados?

AF: Jogar xadrez de alta competição exige estarmos preparados para reagir à pressão constantemente. Por exemplo, perder uma última sessão e começar um torneio no dia seguinte como se nada fosse, saber perder e ganhar, pensando que não é o fim do Mundo. Há que dar tudo em cada partida, mas perceber sobretudo no meio profissional que há que respeitar o adversário que é um profissional como tu.
Pode-se morrer de ataque cardíaco a jogar xadrez e muitos médicos o desconhecem. Perde-se peso, há que fazer preparação física, ter uma alimentação adequada, descansar muito para aguentar o dia-a-dia das competições em forma.
Eu costumo dizer que jogar xadrez de competição é “ Pura inteligência emocional “.

RG: Tens algum método em particular na preparação para uma competição séria ou torneio?

AF: Estudar xadrez é uma coisa de toda a vida! Pode-se estudar a qualquer hora, pode-se aprender a ver jogar outros jogadores e a observar como eles reagem e pensam. Pode-se estudar a jantar com um colega MI ou GM e a ouvir e discutir as suas ideias com as nossas.
Em torneio há que gerir a energia física e emocional, uma vez que as partidas exigem tanto de nós que o estudo não deve tornar-se contraproducente, quer dizer, não devemos estudar de forma a ficarmos esgotados para as partidas. Por exemplo, Botvinnik dizia que era essencial dormir uma boa sesta antes de cada partida para se ir com a cabeça limpa e cheio de energia para a luta. O essencial é estarmos com “ disponibilidade para lutar e pensar na hora de iniciar cada partida!

RG: Para além da competição, também estás ou estiveste envolvido enquanto, colunista, árbitro, mas sobretudo treinador e escritor. Fala nos sobre essas experiências, como surgiram na tua vida?

AF: No Meu blogue, existem os curriculuns de todos esses itens! Contudo como divulgador, já ensinei xadrez em quase todo o tipo de espaços:
O Estoril Open de Ténis em 2006 foi uma experiência muito rica, assim como o SintrAnima num quartel em 2007.
Ultimamente tenho feito divulgação em Câmaras como a de Sesimbra ou Cantanhede, ou Odemira e em Escolas sobre o Tema “ Ensinar a Ensinar xadrez “ .
A entrevista que dei à TSF a 9 de Março de 2010, ao programa “ Mais Cedo ou Mais tarde“ do João Paulo Meneses foi uma boa tentativa de divulgar o xadrez.
Enquanto treinador começa em 1985 na Câmara de Loures e tenho feito um pouco de tudo. Treinei quase todos os valores jovens femininos e masculinos do xadrez nacional jovem nos últimos 20 anos. Acompanhar as delegações Internacionais jovens é uma experiência dura mas muito interessante.



RG: De onde surgiu a ideia para as iniciativas de escrever livros? Sentes que era uma grande lacuna em Portugal?

AF: A ideia como aliás escrevo na introdução dos dois livros é do Sérgio Rocha. Porque temos de fazer tudo. Pagar as edições do nosso bolso e fazer as contas de cada livro. Até agora nenhuma editora nos ajudou. Mais uma vez como sempre na minha vida, é o bom senso que nos tem ajudado na aventura dos livros . Recebemos muitos emails com sugestões mas “ dar palpites é muito fácil “.
Penso que sim que há falta de livros em língua portuguesa, sem ser em estilo brasileiro, mas há falta de incentivos ………
Este segundo livro, “Campeões Mundiais de Xadrez 1886-2010“ seguiu as sugestões de muitos amigos, de que faltavam partidas comentadas em texto, explicando as ideias das brancas e das pretas em cada posição.
São textos originais nossos sobre 36 vitórias de 36 vencedores de 36 Campeonatos do Mundo oficiais. Tem ainda a biografia de cada Campeão Mundial e os quadros dos torneios.
O “ único problema “ é que as pessoas terão de ter vontade de “ ler “ . Não é apenas um livro de exercícios com soluções …

RG: Tens alguma referência literária de xadrez em particular? Que livros recomendarias para iniciados? E para experientes?

AF: Como já referi os meus primeiros livros foram “ O Mi sistema e o piense como un Gran Maestro “
Para iniciados, “Os finais de partida” do Ludek Pachman é o livro mais indicado. Os livros do Dvoretsky são todos excelentes. Eu aconselharia às pessoas mais fortes a estudar a colecção “ Os Meus Grandes Predecessores “ do Kasparov. Depois de fazer o Curso de Treinador da FIDE em 2006, em Berlim, levei cerca de dois anos a construir um guia de trabalho chamado “Os meus pensamentos Estratégicos”, guia esse que utilizo no trabalho com os meus alunos mais avançados.

RG: Enquanto treinador, onde achas que está a maior barreira a ultrapassar ou compreender para os iniciados evoluírem?

AF: O ponto vital é que as mensagens cheguem aos receptores. Muitos jovens dizem que querem evoluir mas não estão dispostos a fazer os esforços que os treinadores entendem como necessários para se dar uma evolução significativa.
O trabalho em xadrez é um trabalho de “Maratonista“. É preciso ter um grande amor ao xadrez, grande vontade interior para estudar a sério. “Não se pode ensinar nada a quem não quer aprender“ disse Yuri Razuvaev em Berlim no início do Curso de Treinador da FIDE.
É preciso ter grande capacidade de sofrimento para evoluir a sério. Por outro lado “ O xadrez exige profundidade, a sociedade de hoje vicia-nos na pressa “. Os conceitos levam tempo a interiorizar e depois ficam para toda a vida. Ter alunos que acreditem nisto é o primeiro passo, mas é um passo de gigante.

RG: Como vês a aprendizagem do xadrez actualmente em comparação com o teu tempo, em que não havia análises por computador, (Fritz, Rybka), informação na internet, vídeos no youtube, etc?

AF: Pode ser enganador todo o material que há!!! Os grandes programas só ajudam a nível dos melhores jogadores do Mundo. Nos outros níveis necessitamos que os alunos escrevam, toquem nas peças, utilizem todos os sentidos do corpo humano na aprendizagem, para melhor interiorizarem os temas, e portanto atenção ninguém chega a um forte jogador só por ter o melhor material do Mundo em casa.

RG: Também costumas jogar online? Ou gostas mais de jogar na “madeira”?

AF: Eu gosto de jogar no tabuleiro onde o jogo é completamente humano. Tu vês toda a tua personalidade e do outro durante uma partida lenta.

RG: Que benefícios acreditas o xadrez trazer para o individuo, para o ser humano em geral?

AF: O xadrez é tomada de decisões debaixo de pressão como a vida. “A vida imita o xadrez” de Kasparov é para mim um dos melhores livros que li.
Para começar, o xadrez tem uma semelhança muito interessante com as artes marciais: Para se começar a partida temos de ter as peças colocadas na posição inicial ( o que significa ordem na sala ), e cumprimentar o adversário ( o que significa educação e respeito por nós próprios e pelo adversário ).
No final de cada partida, como nas artes marciais, temos de cumprimentar o adversário (mesmo quando perdemos, e arrumar as peças na posição inicial).
Quem não cumpre estas regras não pode participar em torneios. Estas regras ajudam a educar as crianças e a dar-lhes bons hábitos para a sua vida presente e futura. Seguidamente, quando se aprende a jogar, o jovem jogador tem apenas que coordenar as peças que tem (16 como sabemos).
Num segundo passo, terá de tomar as decisões, coordenando o jogo e o tempo que tem no relógio; ou seja administrar a “ sua vida “ gerindo a boa altura para jogar rápido e a boa altura para pensar um pouco mais. Tudo isto educa para a vida de qualquer criança.
Num terceiro passo, o jovem terá de aprender a coordenar 3 factores: o tabuleiro com as suas peças, o tempo no relógio, e ao mesmo tempo anotar a partida na anotação algébrica. Este terceiro factor da anotação, é uma ajuda e não um problema como parecerá a cada jovem num primeiro momento.
Esta aprendizagem da coordenação dos 3 factores: partida em si, relógio e anotação dará a cada criança um desenvolvimento excelente, hábitos de trabalho, concentração , e atenção que , sem qualquer dúvida se irão reflectir positivamente em toda a sua educação e vida presente e futura.
Por outro lado, na terceira idade, o xadrez ajuda na prevenção da doença de Alzheimer e a combater a solidão, o que pode ser útil tanto em lares de terceira idade , como em cadeias, etc.
Como escrevi num texto que divulgo nos cursos para professores, o xadrez pode ser o que os dois jogadores quiserem que seja: Uma partida rápida que dure 3 minutos para cada lado, ou seja um total de 6 minutos, pode ser uma simultânea de xadrez, pode ser uma actividade de xadrez ao vivo combinada com judo ou karaté, pode ser um torneio de semi rápidas de 30 minutos para cada jogador que demore um fim-de-semana, e também pode ser, se as pessoas quiserem, o tal xadrez mais profissional, o xadrez das lentas em que cada partida dura 4 ou 5 horas e exige uma enorme preparação técnica, física e emocional, o xadrez para profissionais que como eu por decisão própria e individual decidiram fazer desta actividade a sua vida profissional.

RG: Sei que tens um blog sobre xadrez, onde aproveitas para divulgar informação, e para estares presente na crescente comunidade online. Como foi a tua integração na Web e como sentiste a passagem para o digital do ponto de vista de rapidamente poderes comunicar?

AF: Pedi a uma pessoa muito competente que me ajudasse a fazer um blogue cuja única intenção é divulgar o meu trabalho como profissional de xadrez.
http://www.antoniofrois.blogspot.com/

RG: O que achas do estado do Xadrez em Portugal? Presentemente podia ser mais forte?

AF: Sim, presentemente podia ser mais forte. O xadrez em Portugal sofre gravemente da síndroma do amadorismo. Só quando toda a estrutura da federação for profissionalizada, como eu escrevi em 1984, as coisas poderão mudar significativamente. As pessoas só se envolvem a sério em algo nesta vida quando esse tema lhes toca profundamente. O amadorismo é o contrário do que acabei de dizer, e assim não se pode esperar compromissos por parte das pessoas e logo as coisas nunca irão correr bem enquanto a modalidade for amadora.

RG: Como todos os jogadores de nível superior certamente que fazes demonstrações simultâneas com vários jogadores. Gostas de o fazer? Como vives e contas essas experiências?

AF: As simultâneas são uma excelente actividade de divulgação da modalidade. Fiz e faço dezenas delas e aproveito para conhecer novos praticantes da modalidade e partilhar com eles a minha experiência, e ao mesmo tempo ouvir as suas próprias expectativas.

RG: Leste muitos livros sobre xadrez, tiveste tutor; ou foste autodidacta e com a experiência chegaste ao teu nível?

AF: Tive uma pequena ajuda no clube onde comecei. Depois fui sempre autodidacta, embora sempre estive em contacto com outros colegas portugueses e estrangeiros para trocar informação útil.

RG: Continuas a aprender e a procurar informações?

AF: Claro que sim, o xadrez é inesgotável e continuo a ter a mesma vontade de aprender e de tentar entender cada vez mais.

RG: Já ensinaste ou preparaste alguém especificamente para competição?

AF: Isso é um dos trabalhos que faço continuamente. Neste momento estou em Mondariz na Galiza a preparar jovens para a Competição.
Em seguida serei treinador de alguns jovens no próximo Campeonato nacional Absoluto.

RG: Tens algumas preferências na abertura? Seja de cor, ou de aberturas? AF: Eu gosto muito da forma de pensar de Lasker e de Petrosian.
Lasker pela abordagem psicológica, ou seja gosto de preparar a partida de forma a tentar que o adversário fique a jogar com uma posição com a qual não se sente bem, mesmo que a posição até seja boa! Ou seja preparação humana contra a personalidade.
Gosto de Petrosian pela profilaxia permanente, ou seja tentar prevenir as coisas antes que elas aconteçam.
Obviamente tenho preferência pela minha defesa Dragão acelerada contra 1. e4, e Defesa Tarrasch contra d4 . Os trabalhos que fizemos com António Antunes ao longo dos anos na Dragão acelerado serviram e continua a servir para muitos êxitos no circuito profissional contra GM's e MI’s de todo o Mundo. Quando conheces profundamente um esquema podes utilizá-lo sempre tal a profundidade de conhecimento ao nível dos detalhes de cada posição. É tecnicamente impossível alguém numa manhã de preparação lutar contra um trabalho de décadas.

RG: Que características consideras serem importantes para se formar um bom jogador de xadrez? Isto se acha que são necessárias algumas em particular!

AF: Inteligência emocional primeiro que tudo. Depois aceitar que só perdendo centenas, ou mesmo milhares de vezes se vai progredir. Perder faz parte da vida de um jogador. Espírito de jogador. Lutador incansável. Amor ao xadrez e muita capacidade de trabalho.

RG: No tabuleiro qual é a tua peça favorita?

AF: Não tenho.

RG: Para finalizar, que conselhos darias a quem se está a iniciar no xadrez e pretenda melhorar?

AF: Sempre o mesmo. Aprender a lidar com a derrota e aprender o máximo com ela. Não ter pressa e fazer do verbo “aprender” o primeiro verbo. Ganhar será sempre a consequência do que aprendermos.

RG: Algumas considerações e palavras que queiras deixar?

AF: Gostava de terminar esta entrevista realçando que o xadrez está escondido e mal divulgado no nosso país. Temos um número de federados de cerca de 4000 e no entanto deve haver mais de 50000 pessoas que praticam o jogo no nosso país. Quando viajo pelo país vou sabendo de mais actividade xadrezística que existe. Torneios em escolas, trabalhos com municípios, no Norte, no Sul, nas Ilhas.
Temos de ter um site federativo que divulgue tudo a toda a gente para que as autoridades e as televisões se interessem pelo xadrez como se faz um pouco por todo o Mundo. É ridículo que se fale tanto do insucesso escolar e dos problemas disciplinares e ao mesmo tempo não se utilize a ferramenta “ xadrez “ para combater esses problemas.
Ignorância total do Governo, Assembleia da República das autoridades em geral. Compete-nos a nós do meio do xadrez lutar contra isso. O primeiro passo é que cada xadrezista tenha orgulho em “ser xadrezista”.

Informações oficiais da FIDE sobre António Fróis, e outras referências sobre alguns dos seus jogos:

http://www.chessgames.com/perl/chessplayer?pid=21996
http://ratings.fide.com/card.phtml?event=1900080
http://www.365chess.com/players/Antonio_Frois

Muito obrigado pela disponibilidade, e Abraços.
Rui Grafino

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